segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Na levada da tua alegria

É com muita infelicidade que escrevo este post. Ao lerem, vocês irão descobrir o porquê. Está um pouco grande para aqueles que não gostam de ler, mas vale a pena.

...

“Dizem por aí que o melhor amigo do homem é o cão...não sei se isso é verdade.”

Ele chegou quando eu tinha seis anos de idade, a partir de um desejo frenético de criança em querer um cão como bicho de estimação. Existiam duas opções de escolha, e ele era a que eu não queria – seu jeito desengonçado e afobado não me agradava. Só que outra pessoa que também queria um cão estava nesta disputa em não o querer. Então tivemos a ideia de colocar os dois cães para uma breve corrida e quem ganhasse seria o meu. E o “indesejável de todos” ganhou. Lembro-me como se fosse hoje que num simples chamar, ele correu em disparada em minha direção fazendo uma enorme festa, como se dissesse “me escolhe! me escolhe”! E assim fiz.
Tirando seu jeito muito “animado” de ser, ele era um belo cachorro. Pelos brilhantes, curtos e negros, divididos por uma listra branca abaixo de seu longo pescoço, olhos grandes e castanhos. O chicotear de seu rabo machucava qualquer um que ousasse ficar em seu caminho, com movimentos laterais que tinham uma velocidade acima dos 100km por hora (isso quando ele não estava eufórico, porque quando assim estava, a velocidade chegava a velocidade do som). //juro.
Seus primeiros dias em casa não foram tão calmos como eu pensei que iriam ser. Correr, latir, rasgar roupas, sapatos, fazer xixi na minha cama, revirar o lixo de casa se tornaram coisas habituais para ele. O bom mesmo era quando acordava em plenas 2 da manhã chorando querendo comer.

Ringo. Era assim que agora eu me referia a ele. O Ringo Star da família. Sua personalidade superava a de todos os humanos da casa. Teimoso era o seu verdadeiro sobrenome. Quando se ganha um cão, uma das primeiras coisas que se pensa é naquele cão adestrado que vai andar sempre ao teu lado e sentar quando você mandar. Pura ilusão. Pelo menos assim foi com o Ringo. Não adiantava o que eu falasse, ele sempre fazia ao contrário. Senta! (ele corria). Fica! (ele latia e corria). Corre! (ele sentava e depois deitava). Era um saco. Outra coisa que se pensa de um cão é que ele irá guardar a casa para quando alguém estranho entrar. Mas com o Ringo era diferente. Para ele, todos eram legais e se fosse o caso de um ladrão entrar aqui em casa, era capaz de Ringo brincar com ele, ao invés de assustá-lo.

Agora não mais um bebezinho, Ringo era grande e andar com ele pelas ruas era um maior sufoco. Esse cão era tão esperto que ele sabia exatamente os caminhos que o levavam para casa e quando ele sentia que o passeio estava acabando, empancava e não tinha cristão no mundo que o tirasse dali. Não adiantava puxar coleira, ameaçar...nada, pois ele era irredutível. Numa dessas paradas bruscas, a coleira escapou e Ringo ganhou o mundo. Tentei correr, mas ele era muito mais rápido que eu. Voltei para casa já certo que era a última vez que eu o tinha visto. No fim do dia, eis que ele volta parecendo um “pinto do lixo”. Sujo e cheio de lama em seu pelo, aquele jeito ainda brincalhão e afobado agora estava querendo entrar em casa.
Era um cachorro forte e não dava preocupação nenhuma quanto a remédios e essas coisas. Nunca teve nada, até que aos 84 anos de idade, numa dessas fugidas, ele pegou a doença do carrapato. Isso mesmo, 84 anos (ou 12 anos humanos)! Para aqueles que não sabem, idade de cachorro não é contada como idade de humano. A cada 1 ano humano, são 7 para os cães. A preocupação foi geral, mas nada que uma injeção não resolvesse. Curou-se rapidamente e nunca mais teve nada.

Agora, já aos seus 112 anos (ou 16 anos humanos),Ringo ainda é o mesmo. O seu brincar, correr, supera todas as expectativas de veterinários, pois um cão não dura tanto tempo assim, ainda mais com essa dinâmica.

20 de dezembro de 2010 - segunda feira - Percebo que o seu andar não é mais o mesmo. O olhar, agora cabisbaixo, ganhou uma leve cor azulada, onde se ficou constatado catarata. O veterinário afirma que o Ringo está com apenas isso e receitou alguns remédios tipo suplementos alimentares e diz que esta “moleza” é por conta da idade mesmo.
21 de dezembro de 2010terça feira – Ringo não consegue mais andar, e quando assim tentava, caía. Comer já estava ficando difícil. Não conseguia comer a sua ração com facilidade.
22 de dezembro de 2010quarta feira – Agora se alimenta apenas através de leite, dado numa seringa, porém o seu corpo não mais sustentava quaisquer tipo de alimento dentro do corpo e em seguida sempre o colocava para fora.
23 de dezembro de 2010quinta feira – Fico agora mais animado. Ringo mostra algum tipo de reação quando o chamo. O rabo se movimenta não mais a 100km por hora, e sim a 20km/h, mas já é alguma coisa visto que ele não mais o movimentava. Agora se levanta e começa a andar.
24 de dezembro de 2010sexta feira e véspera de natal – Acordo de manhã cedo para dar o seu remédio. Coloco sua coleira e dou um passeio com ele pela rua. As pessoas que o conheciam e achavam engraçado ele me carregando pela rua, agora se aproximam com um olhar penoso por ver aquele cachorro hiperativo andando a passos de tartaruga. Retorno para casa e continuo a ajudar na arrumação da ceia para o natal, e por volta de meio dia percebo que Ringo não está bem.
Ele olha para mim com olhar de despedida e cai no chão. Naquele momento eu não conseguia fazer nada, chamar ninguém, nem ligar para o veterinário. Eu fiquei paralisado apenas olhando para ele. Minhas pernas tremiam não acreditando no que estava por vir a acontecer. Andei até ele e sentei ao seu lado. Sua respiração estava ofegante e a única reação que tive foi colocar a minha mão em sua barriga. Sentir sua última e longa respiração foi uma das piores sensações que senti na vida. Naquele momento o meu querido Ringo, além dos mais variados sentimentos que me fez sentir nestes 16 anos, me fez sentir e descobrir um Dalton impotente, que treme e não tem uma solução criativa para driblar os obstáculos. Um Dalton que agora deixa de ter 22 anos e volta a ser aquela criança de 6 anos chorando incessantemente pela perda de seu cão.

Ainda com a mão sobre ele, percebo que este simples cão, que inicialmente não o queria, passou comigo os melhores momentos da minha vida e eu nem percebi. Ele esteve na minha infância, adolescência e inicio da minha vida adulta. Envolver o seu corpo em um lençol para enterrá-lo foi uma das tarefas mais árduas que fiz até hoje. A força me faltava ao tentar pegar o seu corpo e colocar no lençol. Em todas as frustradas tentativas, o choro tomava conta e eu parecia não acreditar que meu invencível, alegre e eterno cão tinha morrido.
Ver hoje seu lugar na casa vazio, não poder colocar sua ração, não ouvir o seu latido, dói. Mas o quero fazer hoje com este post é, primeiramente, agradecer a Deus por fazer com que aquele cachorro desengonçado e afobado ganhasse aquela corrida e permitir que ele fosse meu. Agradecer ao Ringo por ser fiel, companheiro e me irritar por muitas vezes, e dizer que sua alegria será agora a levada da minha vida. E dizer aos que leram, AMEM seus cães e façam tudo por eles, pois o amor deles por seus donos é sincero/incondicional e talvez num piscar de olhos eles não estejam mais lá para você fazer o que deveria ter feito.

“Dizem por aí que o melhor amigo do homem é o cão... E é mesmo!”

Abraços.
Dalton Leça.

3 comentários:

  1. Caramba velhão. Esse foi definitivamente o post mais forte que vc já escreveu. E sem dúvida o mais tocante que ja lí. Meus pêsames por ele... Tenha certeza que foi uma satisfação imensa para ele ter vivido ao seu lado. Bem como a recíproca é verdadeira. Um abraço.

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  2. oun Dalton sinto com você as dores de perder esse "melhor amigo do homem" eu já perdi tbm, e sei o quanto doí:/ . As veses se apegamos tão rápido a 'coisas' e o cachorro aa ele é essencial em nossas vidas nos prova que o amor senti-se por coisas bobas algo simples, como apenas esperar atentamente a nossa chegada.

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  3. Não consigo nem comentar nada =~~~~~/

    Beijos, te amo.

    Cíntia Soares

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